domingo, 27 de março de 2016

Pascoa - 2016

(foto google - o Ressuscitado ressuscita os mortos)

Gostaria de partilhar o acontecimento que mais me marcou nesta Pascoa.
Pouparei nas palavras desnecessárias.
Estávamos sozinhos em casa. Este ano não pudemos conviver com os nossos pais por terem falecido, nem com os nossos filhos por estarem ausentes por motivos de trabalho.

Cerca das doze horas a minha mulher disse:
- Podes pôr os talheres na mesa, eu vou fazer uma salada e muito rapidamente levo as coisas para almoçarmos.
Ainda não tínhamos terminado quando alguém tocou à campainha. 

- Boa tarde e boas festas para todos, disse-nos a Maria.
Gostava de falar com a a tua mulher. Entraram-me em casa, fecharam todas as portas e levaram as chaves. Estou desesperada. Já não sei o que hei-de fazer. Tenho 85 anos e não consigo entender tanta maldade. Pago as rendas, não devo nada ao senhorio mas ele não me deixa em paz.
Ontem insultou-me e ameaçou-me que eu tinha de sair daquela casa. Falou alto para quem quis ouvir.
Até fiquei envergonhada com tantas falsidades.

- A Maria tem de participar isto à Polícia.
- Eu já nem sei dos números que eu tinha junto do telefone. Devem tê-los levado também.
- Já almoçou?
- Não, mas vou arranjar alguma coisa quando chegar a casa se ainda conseguir entrar pela porta das trazeiras.

 - Venha cá! Entre e sente-se. Vou arranjar-lhe alguma coisa. Nós já almoçámos. Os pratos ainda estão na mesa.
Servimos-lhe um almoço simples e um copo de sumo. Depois dentro de um saco onde trazia um papel e uma caneta colocámos duas sandes e alguma fruta.
- Tenha coragem Maria. A vida está a ser muito dura, mas há-de haver alguma saída.
Amanhã com mais calma vai ligar para a polícia e para a Assistente Social que tem acompanhado o seu caso. Eles haverão de a ajudar. As autoridades devem ver estas situações.

Mais conformada e acarinhada a Maria lá seguiu de regresso a casa.
Nós trocamos um olhar silencioso e recordámos outros momentos. 
Jesus Ressuscitado visitou-nos e partilhou parte do Seu sofrimento.
Vamos todos partilhar o Pão de Cristo. Quem o recebe deve partilha-lo e será abençoado.
luíscoelho
27 de Março de 2016

sexta-feira, 25 de março de 2016

Desilusão





(Flores do meu jardim-foto minha)

Amor que me feriste a saudade
E me anoiteceste sem piedade
Deixa-me gemer, gritar à vontade
E procurar os cantos desta solidão.
Tu não sabes do amor toda a verdade,
Nem eu sei do amor toda a razão.

Vem o calor do tempo que o vento leva,
Mas  para a noite longa maior dor reserva.
Abraça-me e a força do amor já se renova,
Já aquece e fortalece o bater do coração,
Coisas simples que num abraço se comprova,
E também redobra a força desta paixão.

Amor, palavra solta, onde se perde a liberdade
E a vida renasce com sabor de igualdade.
Olhares que se vivem e partilham sem maldade
Vidas que se geram na própria identidade. 

luíscoelho
Março 25/2016

sábado, 19 de março de 2016

Pai




(foto minha) 

Longe ficam os dias do nosso olhar
Esse tempo que hoje quero recordar,
E longe ficam os dias de te ouvir falar
Esse tempo que não podemos  retomar.
Vem a saudade crescendo no meu peito
Semeando muita dor com mais efeito,
E novas lágrimas recordam o teu olhar
Naquele abraço que só tu sabias dar.
Fizeste-me parte desta vida e de ti
Tantas coisas que nunca mais esquecerei
Foi amor que recebi e também dei
Caminhos construídos e vividos
No grande amor da família que amei.
Pai, palavra simples mas muito bela
Recordar-te é acender-te na estrela mais singela.
luíscoelho
2016/03/19

segunda-feira, 7 de março de 2016

Sertela

Resultado de imagem para fotos enguias

(foto google)

Naquela noite agasalharam-se mais cedo na cama. A chuva e o vento eram ameaçadores. O fumo da lareira espalhava-se por toda a casa. Parecia que as cavacas ardiam a medo.
Já tinham ceado. Um prato de sopa. 
Depois da ceia, gostavam de fazer serão. Conversavam uns com os outros enquanto se aqueciam. O crepitar das chamas era um convite para ficarem mais tempo ao borralho, mas hoje era impossível.

- Vamos para a cama! Disse o pai. Aqui não conseguimos estar.
- Na cama estamos mais quentinhos, acrescentou a mãe.
Parecia que o temporal não os assustava tanto a eles como aos filhos. Já tinham vivido outros dias e outras noites assim. Depois confiavam em Deus. Sempre acreditaram que Ele os guardaria de todo o mal.

De repente, um grande trovão, abanou toda a casa. A mãe começou a ladainha de Santa Barbara.
“Santa Barbara bendita que no Céu está escrita, afastai de nós todos os perigos e esta trovoada para muito longe, onde não faça mal a ninguém”
Depois rezou um pai-nosso e uma avé-maria.
Ao mesmo tempo que rezava levantou a candeia de azeite para ajudar os rapazes a deitarem-se.

Era um quarto simples com acesso directo da cozinha. 
A cama era uma enxerga em cima de um estrado de tábuas apoiado em dois cavaletes. Os garotos acomodaram-se os três e a mãe aconchegou-lhes a roupa. O calor dos corpos ajudava-os a sentirem-se melhor.

Os pais apagaram a fogueira. Levantaram as cavacas encostando-as à parede e depois juntaram as brasas para um pequeno monte cobrindo tudo com a cinza. Assim se conservava o calor e algumas brasas até ao dia seguinte. 
Nessa noite, os garotos, dormiram até mais tarde. Quando acordaram já a mãe estava a fazer o almoço para todos. A chuva tinha amainado, mas o vento e o frio teimavam em continuar. 
Uns atrás dos outros foram-se juntando ao pé da fogueira.

- O pai? Perguntou um deles.
- Anda ali na rua a procurar minhocas, respondeu a mãe. 
Hoje o tempo não dá para trabalhar e ele pensou ir à sertela. (pesca de enguias no rio). 
- Mas eu também quero ir, disse o mais velho.
- Não! Com esta chuva ninguém sai aqui de casa. Vocês ainda são muito pequenos para pescarem e não conhecem os perigos do rio.
Ainda conversavam animadamente quando o pai entrou na alpendurada trazendo um balde com um punhado de minhocas.

Ouvi-o pedir à mãe uma agulha e linha. Depois sentou-se no carro de bois e começou a fazer uma linha de minhocas. Quando acabou, dobrou tudo num pequeno molho e atou-o num cordel mais forte  e mais comprido. Finalmente atou o cordel com as minhocas numa vara e junto das minhocas um peso de chumbo para as fazer mergulhar até ao fundo do rio. As enguias nadam sempre junto ao leito do rio.

Recordo o pai com um casaco mais grosso e abrigando-se com um guarda-chuva a dizer-nos:
-Até logo! E sem mais demoras, saiu a caminho dos campos em direcção ao rio. 
Procurou um recanto para se proteger do frio e onde a corrente não fosse muito forte. Depois sentou-se e mergulhou as minhocas no rio. Os seus olhos estavam atentos aos movimentos da vara. 
- Estão a picar, disse e num segundo movimento, levantou a sertela em direcção ao balde de madeira e deixou cair uma enguia lá dentro.   
Voltou a repetir estes gestos durante mais de duas horas.
Depois o corpo começou a arrefecer e ele levantou-se, guardou as suas coisas e disse:
- Bem, vou até a casa! Para hoje chega.

As enguias gostam das minhocas e quando as comem vão também engolindo a linha onde as prenderam. Quando o pescador puxa a sertela elas vêm presas às minhocas e  à linha. 
O pai chegou a casa todo molhado e cheio de frio.
Pousou  o balde e foi aquecer-se à fogueira. Os olhos dos garotos seguiam os movimentos das enguias que teimavam em fugir. 
Por mais que dissesse:
- Não mexam aí! Tirem daí as mãos! Não lhe adiantou nada. Ele sabia que a nossa teimosia seria forte demais.
Todos quisemos ter força para segurar uma enguia nas nossas mãos , mas elas sempre nos escapavam por entre os dedos. 
luiscoelho

Março2016