(foto google)
Mas o avô quando fechava os olhos continuava a trabalhar. Disse-nos um dia que muitos dos seus trabalhos foram feitos enquanto dormia. Chegava a vê-los feitos.
Aquietou-se na soleira da
porta. Cruzou as pernas e meteu as mãos por baixo da camisola grossa. Parecia
guardar ao colo um bebé que protegia carinhosamente, mas era assim que conservava
as suas mãos quentes e até ele próprio se sentia mais confortável.
Olhava para o lado poente
numa postura estática. Parecia viajar num sonho ou outra aventura que nos era
vedada. Quando chegámos fizemos silêncio. Pensámos que estivesse a
dormir e não quisemos perturbar-lhe o descanso.
Mas o avô quando fechava os olhos continuava a trabalhar. Disse-nos um dia que muitos dos seus trabalhos foram feitos enquanto dormia. Chegava a vê-los feitos.
Assim construiu as suas
próprias ferramentas usando apenas os materiais que tinha disponíveis.
Construiu um esmoril (instrumento
para desgastar ou afiar objectos de corte). Uma broca (instrumento para furar
madeira ou mesmo chapa)
Uma espingarda e tantas outras coisas que lhe ocuparam
os dias e aqueles tempos livres da vida no campo.
Na cabeça tinha um boné
amarelecido e um pouco desfiado. A pala dobrada protegia-lhe o olhar. Era
necessário chegar perto dele para descobrir o azul suave dos seus olhos.
O rosto tinha algo
misterioso. Os pêlos da barba pareciam agulhas espetadas simetricamente. Só se
barbeava uma vez por semana.
Era um ritual que pude
observar algumas vezes. Sozinho, diante de um espelho, fazia tudo com
muita paciência e a arte de se barbear sem se magoar.
A navalha dobrava-se em L
e cortava como uma lanceta. Poderia mesmo ser um perigo para qualquer um de
nós.
Afiava a navalha numa
pedra incrustada numa régua de madeira e
depois amaciava o fio numa outra régua de um material fibroso.
Seguidamente fazia espuma num copo velho, usando restos de sabão, e depois, com
um pincel, espalhava tudo sobre o rosto, ficando coberto de uma pasta branca. Parecia
uma máscara.
Finalmente pegava na
navalha e dobrando-a em L com a lâmina para a frente e começava o corte.
A sua sensibilidade
ajudava na pressão da navalha sobre a pele e em pequenos lanços começava a rapar
a barba e o sabão que ia depositando em pequenas quantidades numa folha de
jornal. Fez de um lado e depois do outro sem pressa, mas com o seu jeito de
querer parecer bem. Acertou as patilhas e deixou-as com um corte igual de ambos
os lados.
Para terminar deu um
retoque no seu bigode.
Nunca precisou de comprar
lâminas de barbear pois o seu material era sempre limpo e aguardado num estojo.
Depois de lavar a cara e
de se enxugar numa toalha dava gosto olhar para ele. Parecia um homem mais novo
e mais sorridente.
O Avô era um homem bonito.
Luíscoelho
Janeiro/2016
Também o meu Avô era um homem bonito. Lembro-me bem dele e do seu porte de grande dignidade. Lá na terra chamavam-lhe Mestre João.
ResponderEliminarVi-o, algumas vezes, escanhoar o rosto, de barba de dias, com uma navalha igual à do seu Avô, Luís!
Li o post onde fala do que lhe aconteceu com o anterior blog. Tenho muito medo que uma coisa semelhante me aconteça. Acho que não terei como recomeçar.
Fico contente por não ter desistido.
Um abraço.
Janita
Infelizmente o meu único avô vivia longe, só o vi uma vez, quando tinha uns três quatro anos e depois quando tinha 14 anos e ele veio para nossa casa. Tinha sofrido um AVC, perdeu o juízo e estava paralisado do lado esquerdo. Minha mãe estava doente e era eu que cuidava dele. Chamava-me sempre Ana, que era o nome de uma irmã que lhe morrera quando criança.
ResponderEliminarComo sempre gostei muito do seu texto.
Um abraço
Esse mês estou comemorando 11 anos de blog.
ResponderEliminarÈ tempo demais dedicado a essas pessoas lindas de Deus
que fui conhecendo ao longo dessa caminhada.
Deixei um mimo na postagem se for do seu agrado
leve ficarei feliz.
E ficarei feliz da mesma forma se ñ levar eu entendo.
Um carinhoso beijo.
Deus abençoe por tudo.
E uma semana de paz .
Evanir.
Amigo adorei seu texto até da navalha que meu avo
por parte de mãe usava senti saudades .
O meu avô fazia a barba também assim, quantas saudades tenho dele.
ResponderEliminarBeijinhos
Maria
Que ternura este seu conto amigo Luís.
ResponderEliminarTeve um avô muito especial que agora tem o prazer e nos dá o prazer de o conhecer. Obrigada!
Um beijinho
Fê
Você me fez lembrar do meu pai. Ele passava a navalha numa tira de couro.
ResponderEliminarFazia tudo como você descreveu, sem pressa!
Abraços, Luís!
Um relato delicioso, amigo Luís, que me fez recordar a minha juventude.
ResponderEliminarNaqueles tempos era-se feliz com coisas muito simples. O teu avô, ao fazer a barba, devia antever, com satisfação, a imagem que iria reflectir-se no espelho, que lhe mostraria um homem bonito, com uns anitos a menos :)
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
http://tempolivremundo.blogspot.pt/
ResponderEliminarHoje é dia do 2º aniversário.
Vem beber um chá comigo.
Beijinhos.
(passarei com mais tempo para ler a bela história)
O que custou encontrar estas belas madrugadas, com o habituado que estava com o Lida Coelho.
ResponderEliminarIsso penso também do meu avô, com o seu bigode fininho e a sua arte de fazer as coisas.
Quanto vale um avô assim!
Boa tarde, Luís!
ResponderEliminarTal como escreveu o Duarte:
O que custou encontrar estas belas madrugadas, com o habituado que estava com o Lida Coelho.
Diz que perdeu o outro blog. Como é que isso pode acontecer?
Infelizmente só conheci 1 dos meus avôs e estive com ele apenas 2 x
não deu para o ver fazer a sua barba
Acho que as crianças que têm a sorte de conhecer e vivenciar momentos com os seus Avós são muito mais felizes.
MUITO OBRIGADO por ter respondido ao meu convite!
É isso que eu procuro na Vida - fazer com que a maioria dos nossos momentos sejam super engraçados, divertidos e sobretudo mostro o meu lado sonhador e lutador.
Não é bem...não se pode dar uma festa física!
Até se pode, se tudo for bem pensado e organizado,
o problema é que estamos todos distantes uns dos outros!
Mas, nada me impede de convidar todos a tomar um chá virtual.
TÃO BOM mesmo, ler comentários e dizerem-me:
nem sei como, ainda me consegues surpreender...
Ui....faz-me tão bem, tão bem mesmo!
SÓ ASSIM ENTENDO A MINHA PRESENÇA NA BLOGOSFERA.
E assim continuarei, dê-me Deus saúde para o poder fazer.
BOM FIM SEMANA DE CARNAVAL
Beijinhos
nota: ontem fui fotografar o desfile de Carnaval das Escolas
e hoje vou ter que me debruçar algumas horas, sobre as 200 fotos
e escolher umas 10 para fazer um post.
Luis,
ResponderEliminarlembranças são presente assim
como esse texto seu.
Belisssima postagem.
O aguardo la no Espelhando,
viu?
Bjins
CatiahoAlc.
Bela peça a meter navalha na barba da memória. E, assim veio à luz do dia a face amada do avô.
ResponderEliminarAbraço.