sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A barba do avô

Imagem intitulada Shave with a Straight Razor Step 18
(foto google)


Aquietou-se na soleira da porta. Cruzou as pernas e meteu as mãos por baixo da camisola grossa. Parecia guardar ao colo um bebé que protegia carinhosamente, mas era assim que conservava as suas mãos quentes e até ele próprio se sentia mais confortável.

Olhava para o lado poente numa postura estática. Parecia viajar num sonho ou outra aventura que nos era vedada. Quando chegámos fizemos silêncio. Pensámos que estivesse a dormir e não quisemos perturbar-lhe o descanso.

Mas o avô quando fechava os olhos continuava a trabalhar. Disse-nos um dia que muitos dos seus trabalhos foram feitos enquanto dormia. Chegava a vê-los feitos.
Assim construiu as suas próprias ferramentas usando apenas os materiais que tinha disponíveis.

Construiu um esmoril (instrumento para desgastar ou afiar objectos de corte). Uma broca (instrumento para furar madeira ou mesmo chapa)
Uma espingarda e tantas outras coisas que lhe ocuparam os dias e aqueles tempos livres da vida no campo. 

Na cabeça tinha um boné amarelecido e um pouco desfiado. A pala dobrada protegia-lhe o olhar. Era necessário chegar perto dele para descobrir o azul suave dos seus olhos. 
O rosto tinha algo misterioso. Os pêlos da barba pareciam agulhas espetadas simetricamente. Só se barbeava uma vez por semana. 

Era um ritual que pude observar algumas vezes. Sozinho, diante de um espelho, fazia tudo com muita paciência e a arte de se barbear sem se magoar.
A navalha dobrava-se em L e cortava como uma lanceta. Poderia mesmo ser um perigo para qualquer um de nós.

Afiava a navalha numa pedra incrustada numa régua de madeira e depois amaciava o fio numa outra régua de um material fibroso. Seguidamente fazia espuma num copo velho, usando restos de sabão, e depois, com um pincel, espalhava tudo sobre o rosto, ficando coberto de uma pasta branca. Parecia  uma máscara.
Finalmente pegava na navalha e dobrando-a em L com a lâmina para a frente e começava o corte. 

A sua sensibilidade ajudava na pressão da navalha sobre a pele e em pequenos lanços começava a rapar a barba e o sabão que ia depositando em pequenas quantidades numa folha de jornal. Fez de um lado e depois do outro sem pressa, mas com o seu jeito de querer parecer bem. Acertou as patilhas e deixou-as com um corte igual de ambos os lados.
Para terminar deu um retoque no seu bigode. 
Nunca precisou de comprar lâminas de barbear pois o seu material era sempre limpo e aguardado num estojo.

Depois de lavar a cara e de se enxugar numa toalha dava gosto olhar para ele. Parecia um homem mais novo e mais sorridente.
O Avô era um homem bonito.
Luíscoelho
Janeiro/2016                                                                                           


12 comentários:

  1. Também o meu Avô era um homem bonito. Lembro-me bem dele e do seu porte de grande dignidade. Lá na terra chamavam-lhe Mestre João.
    Vi-o, algumas vezes, escanhoar o rosto, de barba de dias, com uma navalha igual à do seu Avô, Luís!

    Li o post onde fala do que lhe aconteceu com o anterior blog. Tenho muito medo que uma coisa semelhante me aconteça. Acho que não terei como recomeçar.
    Fico contente por não ter desistido.
    Um abraço.

    Janita

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  2. Infelizmente o meu único avô vivia longe, só o vi uma vez, quando tinha uns três quatro anos e depois quando tinha 14 anos e ele veio para nossa casa. Tinha sofrido um AVC, perdeu o juízo e estava paralisado do lado esquerdo. Minha mãe estava doente e era eu que cuidava dele. Chamava-me sempre Ana, que era o nome de uma irmã que lhe morrera quando criança.
    Como sempre gostei muito do seu texto.
    Um abraço

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  3. Esse mês estou comemorando 11 anos de blog.
    È tempo demais dedicado a essas pessoas lindas de Deus
    que fui conhecendo ao longo dessa caminhada.
    Deixei um mimo na postagem se for do seu agrado
    leve ficarei feliz.
    E ficarei feliz da mesma forma se ñ levar eu entendo.
    Um carinhoso beijo.
    Deus abençoe por tudo.
    E uma semana de paz .
    Evanir.
    Amigo adorei seu texto até da navalha que meu avo
    por parte de mãe usava senti saudades .

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  4. O meu avô fazia a barba também assim, quantas saudades tenho dele.
    Beijinhos
    Maria

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  5. Que ternura este seu conto amigo Luís.
    Teve um avô muito especial que agora tem o prazer e nos dá o prazer de o conhecer. Obrigada!

    Um beijinho

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  6. Você me fez lembrar do meu pai. Ele passava a navalha numa tira de couro.
    Fazia tudo como você descreveu, sem pressa!
    Abraços, Luís!

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  7. Um relato delicioso, amigo Luís, que me fez recordar a minha juventude.
    Naqueles tempos era-se feliz com coisas muito simples. O teu avô, ao fazer a barba, devia antever, com satisfação, a imagem que iria reflectir-se no espelho, que lhe mostraria um homem bonito, com uns anitos a menos :)

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  8. http://tempolivremundo.blogspot.pt/

    Hoje é dia do 2º aniversário.
    Vem beber um chá comigo.
    Beijinhos.

    (passarei com mais tempo para ler a bela história)

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  9. O que custou encontrar estas belas madrugadas, com o habituado que estava com o Lida Coelho.
    Isso penso também do meu avô, com o seu bigode fininho e a sua arte de fazer as coisas.
    Quanto vale um avô assim!

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  10. Boa tarde, Luís!

    Tal como escreveu o Duarte:
    O que custou encontrar estas belas madrugadas, com o habituado que estava com o Lida Coelho.

    Diz que perdeu o outro blog. Como é que isso pode acontecer?

    Infelizmente só conheci 1 dos meus avôs e estive com ele apenas 2 x
    não deu para o ver fazer a sua barba
    Acho que as crianças que têm a sorte de conhecer e vivenciar momentos com os seus Avós são muito mais felizes.

    MUITO OBRIGADO por ter respondido ao meu convite!

    É isso que eu procuro na Vida - fazer com que a maioria dos nossos momentos sejam super engraçados, divertidos e sobretudo mostro o meu lado sonhador e lutador.

    Não é bem...não se pode dar uma festa física!
    Até se pode, se tudo for bem pensado e organizado,
    o problema é que estamos todos distantes uns dos outros!

    Mas, nada me impede de convidar todos a tomar um chá virtual.

    TÃO BOM mesmo, ler comentários e dizerem-me:
    nem sei como, ainda me consegues surpreender...

    Ui....faz-me tão bem, tão bem mesmo!

    SÓ ASSIM ENTENDO A MINHA PRESENÇA NA BLOGOSFERA.

    E assim continuarei, dê-me Deus saúde para o poder fazer.

    BOM FIM SEMANA DE CARNAVAL

    Beijinhos

    nota: ontem fui fotografar o desfile de Carnaval das Escolas
    e hoje vou ter que me debruçar algumas horas, sobre as 200 fotos
    e escolher umas 10 para fazer um post.

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  11. Luis,
    lembranças são presente assim
    como esse texto seu.
    Belisssima postagem.
    O aguardo la no Espelhando,
    viu?
    Bjins
    CatiahoAlc.

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  12. Bela peça a meter navalha na barba da memória. E, assim veio à luz do dia a face amada do avô.
    Abraço.

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