segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A Desrisca


livros
(foto google)


A quaresma era um tempo de penitência.
Em todas as aldeias a vida corria à sombra da Igreja que por seu lado controlava tudo e todos.
Nas leis da Igreja Católica existem mandamentos que os católicos devem observar.
Um deles diz: 
Todo o bom cristão deve santificar os Domingos e dias Santos de Guarda.
Devem também, nesses dias, assistir à missa completa.
Outro dos mandamentos diz que devem confessar-se e comungar uma vez por ano, na Páscoa da Ressurreição.


Para controlar estes preceitos havia a Desrisca.
Um livro grande onde constavam  os nomes de todas as famílias da Freguesia, divididos por lugares de residência.
Depois das cerimónias, missa e ofícios na Igreja, todos se dirigiam à Casa Paroquial para o senhor padre os desriscar no livro grande.
Conforme ia chamando ia desriscando no livro e assim ficava cumprido aquele preceito.


Certo dia, o Sr Abade chamou uma paroquiana que não tinha "papas na língua".
O seu nome era apenas Maria de Jesus, mas como haviam muitas só com este nome, e para as identificar a todas juntavam-lhe o apelido do marido ou do lugar de residência.
Esta Senhora era conhecida por Maria de Jesus Grilo. Talvez o Marido fosse alguém com dotes de boa qualidade.
Quando o Sr Abade chamou - Maria de Jesus Grilo!
Logo aquela respondeu:
- Corte lá o Grilo Sr Abade. Corte lá o grilo. O Sr não precisa dele e a mim, pobre viúva, não me faz falta.
Os presentes tiveram dificuldade em conter o riso. Havia medo e respeito.
O Abade rectificou e riscou o nome da paroquiana.


A mãe contava que iam muito cedo para a Igreja para cumprirem estes preceitos. Formavam grupos e levavam tochas acesas para se guiarem pelos caminhos e carreiros que os separavam da Igreja. Era longe.
A celebração da Missa era sempre antes do Sol nascer.
Durante a caminhada entoavam cânticos ou rezavam as ladaínhas.


Ao chegarem à Igreja apagavam as suas tochas num canto da parede que estava sempre preto dos tições. Era um costume antigo.
Um dia, o Padre aborrecido por esta tradição, chamou a atenção das pessoas que ali continuavam a apagar as tochas apertando-as contra a parede.
- Apaguem as tochas na rua e no chão. Esta parede está uma vergonha, toda suja.
Mas logo alguns lhe responderam
- Sempre foi assim e assim continuará a ser.
O mais atrevido ainda disse mais:
- O meu avô esmurrou aqui, o meu pai também e eu também irei esmurrar aqui como sempre fiz quer o Sr queira ou não queira! Ora essa!...


 Ouvi contar ainda que o antigo prior era cego.Teve a doença da lepra. A empregada guiava-o para o confessionário onde ele ouvia a confissão e perdoava os pecados em nome de Deus.
Era um homem cheio de bondade, além de ser cego.
Os mais novos diziam:
- Eu quero confessar-me ao padre Jacinto.
Ele não vê e eu posso dizer-lhe todos os meus pecados.

O outro padre era mais novo e muito finório. As raparigas e os rapazes diziam que não lhe podiam contar tudo.
- É padre é padre, mas é um homem como os demais...diziam   os mais velhos.
luiscoelho
Junho/2015

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