segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Frio

 Banco de Imagem - gelado, e, sozinha. Fotosearch - Busca de Fotografias, Fotografia Poster, Imagens e Fotos Clip Art
(foto google)

Hoje o frio era mais frio. 
Já ninguém se lembrava de um dia assim. Era um frio de cortar. Gelava-nos por fora e por dentro e a noite prometia ser ainda mais dura.
As bátegas de chuva batiam descompassadas no telhado da casa. Às vezes o granizo tornava os batimentos mais graves e acelerados.

Tinha anoitecido mais cedo. As nuvens escuras cercaram tudo por ali à volta. Não se via ninguém nos campos. Era um mundo de silêncio.
Embrulhados numa serapilheira grossa foram acomodando todos os animais domésticos. Parecia que também estes procuravam um abrigo mais seguro, deixando transparecer o medo que os possuía.

Finalmente o pai entrou em casa. A sua presença dava-nos mais segurança. Trazia um molho de cavacas secas e um brilho de coragem e determinação no olhar. Tinha acabado o seu dia de trabalho. 
Pousou as cavacas num canto perto da lareira e depois foi tirar aquela serapilheira que lhe servia de capa. Sacudiu-a e pendurou-a num cabido que estava no alpendre à entrada da cozinha.  Finalmente sentou-se ao pé de nós.

Sem pedir licença fomo-nos encostando a ele. Estava gelado. Não nos afastou, mas abriu aquelas mãos grandes e voltando as palmas para a fogueira disse: 
- Ah...Que bom!Aqui estamos melhor.
Até parecia que estava com vontade de meter as mãos dentro das chamas. O cheiro das suas roupas ainda carregadas de chuva vieram ao nosso encontro quando o apertamos.
Depois procuramos um lugar nas suas penas e sentámo-nos um em cada joelho. Ele protegia-nos do calor com aqueles braços fortes que nos seguravam com carinho.

A mãe cuidava da ceia, mas os seus olhos estavam em nós. A frente da lareira estava livre para ela poder ver a panela da sopa.
Não sei o que comemos nessa noite. Muitos dias eram as sobras do almoço. 
Ao meio-dia, era servido um prato de sopa grossa. Nunca havia segundo prato, mas havia o "conduto" que era um pedaço de toucinho cozido com a sopa.
 Não éramos ricos, nem se podia desperdiçar nada.
Algumas vezes, a mãe juntava um copo de água nas sobras do almoço e depois, quando a panela começava a ferver, juntava um punhado de massa grossa e temperava com azeite e uma pitada de sal. 

No serão de hoje o pai, para nos distrair, perguntou:
- Vocês sabem quem é mais forte: O Sol ou o Vento?
Eles fizeram entre si uma aposta.
Quem seria capaz de tirar o casaco a um homem que caminhava na estrada.
Depois em silêncio olhou para nós e deixou-nos responder.
Afirmámos que era o vento. Aquela força que abana  as árvores ou que faz mover as velas de um moinho era o mais forte e respondemos convencidos da nossa verdade. Era o vento.
Logo aquelas cabecitas, encheram-se de respostas.
Era o vento! Era o vento! Só pode ser o vento que arranca as grandes árvores e que faz andar as nuvens...
Mas nós queríamos a resposta do pai. Tudo quanto ele nos dissesse  era o mais verdadeiro. O pai disse e pronto! Não há mais dúvidas.

Um sorriso calmo desenhava-se nos seus olhos o que  fazia aumentar as nossas dúvidas. 
- Será o Sol pai? Perguntou o mais velho.
Naquele momento e conservando aquele brilho no olhar contou-nos a história de um caminhante.
- Seguia pela estrada um homem, com o casaco vestido.
Estava muito vento. Pensei que a força do vento lhe arrancasse o casaco, mas quanto mais vento fazia mais ele apertava o casaco.
Durante algum tempo segurou o casaco com as duas mãos chegando quase a desequilibrar-se.
O vento não conseguiu vencê-lo.

Depois, num outro dia, o mesmo homem caminhava pela mesma estrada, mas estava muito sol.  O dia foi aquecendo e o calor do Sol obrigou-o a despir o casaco. O sol venceu.Tem mais força que o vento.

Oh! Mas assim não vale...O homem é que quis tirar o casaco...disse o mais pequenito.
Reparem que isto da Natureza não é bem assim. Um não é mais forte  que o outro. São apenas diferentes.  O Sol, o vento, a chuva ou a água são precisos para podermos viver com harmonia.
Cada coisa tem a sua importância e sem eles não poderíamos viver.  

A ceia estava na mesa.
Sentaram-se e comeram em silêncio.
Agora as colheres andavam mais lentas e já era com algum esforço que iam bebendo aquele caldo. O sono tornava-se cada vez mais atrevido.
Então a mãe pegou-lhes ao colo e deitou-os nas suas caminhas.
O dia foi grande nas suas corridas.  Brincadeiras que os ajudavam a crescer.
Luíscoelho
Janeiro/2015

3 comentários:

  1. Sublime, Luís Coelho!As elocubracoes são fantásticas e emanam em seu bojo uma "viagem" nos cenários, sensações, inseridos em tua rica descrição de detalhes ínfimos! Continue a trilhar tua escalada a patamares cada vez mais, puros e sublimes! Nada impede o pulsar do coração de um poeta!Bravo! Estarei por aqui e alhures sintonizado em tua frequência! Abraços fraternais!!!Marcus V F Coimbra ( Brasil )

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  2. Um texto maravilhoso. Sabe que meu pai também nos contou essa história do vento e do sol quando éramos crianças?
    Um abraço e um bom Ano.
    PS Pediu ajuda ao google para a recuperação do blogue?

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  3. Ao calor da fogueira se crescia numa atmosfera feita de histórias fantásticas e de carinho.
    Um belo conto, Luís.

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